Foi há mais de 20 anos, numa época em que ainda não se falava "destas coisas".
Eu era a Directora de Turma da A., aluna acabada de chegar ao 10º ano. Em breve descobriríamos que ela tinha graves deficiências cognitivas e não só. Era uma miúda com muita dificuldade de se relacionar com os seus pares, dava-se com as funcionárias, sobretudo. Também logo descobrimos que tendia a mentir ou a fabular, ou às duas coisas juntas. Era difícil separar umas das outras.
Na primeira reunião com os pais, no início do ano lectivo, salientou-se o pai, pessoa bem falante, cheia de ideias para melhorar o sistema, para ajudar a turma e os outros alunos, além da sua própria filha. Não costuma haver muitos pais destes, sempre presente na escola.
Em breve descobrimos que, na presença do pai, a aluna ficava muda. Talvez por causa das suas dificuldades perante o 'brilhantismo' do pai.
Foi muito para o final do ano lectivo que ela começou a contar a uma e outra funcionária que o pai "abusava dela". Ficámos estupefactos e duvidosos, já que ela contava tantas histórias. Pedi ajuda à psicóloga da escola. Tentámos tirar a coisa a limpo, sem alertar o pai, que a retiraria imediatamente da escola, receávamos.
A psicóloga falou pelo telefone com a mãe, que se recusou a vir à escola. Falou depois com a avó, grande apoio da miúda em casa. Recusou-se a vir à escola.
Ficámos sem saber bem o que fazer e, nestas andanças, chegou o fim do ano escolar. A A. não voltou mais à escola.
Ainda hoje sinto o peso de não ter podido ajudar mais esta garota. Com todas as possibilidades de hoje, teria sido muito mais fácil estender-lhe a mão, no caso de ser verdade o que contava.
5 comentários:
ui... Imagino. Mas nunca saberás. E fizeste o que te era possível.
Olá!
Gostei muito do seu blog...
Beijinhos
Há a tendência de se pensar que estas situações estão a aumentar, simplesmente porque são mais divulgadas e expostas.
Sempre houve pedofilia, abusos dentro da familia, comunidade...enfim.
É triste.
Bjs
Sabe vozinha,
Embora eu seja ainda jovem, já tenho o coração aos frangalhos, de tanto relatos como este.
Que Deus me perdoe, e muito, mas às vezes faltam-me forças, não sei exatamente se fé... Pois creio em Deus. Sei disso! Mas algo me falta. O mais triste e pior é quando não se pode fazer nada. Tenho quase vontade de desistir (nem sei de quê).
Não sei o que será dessas pessoas (crianças) abusadas, pois vejo que a grande maioria não se recupera nunca mais. Mesmo que haja a busca de cura interior – emocional. Sim ela existe, mas só tratamento, cura completa e real só no céu, não aqui, não mais...
Hoje bem mais triste,
Mauricio
Nunca poderemos ficar indiferentes
a casos desta natureza, pobres crianças violadas física e psicologicamente, como poderão sorrir para o futuro com tamanho peso.....
bjs
BC
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