Dizia ontem o professor no Programa do Malato que gostaria de terminar a sua carreira como professor do Secundário ou do Básico.
Lamento informá-lo, Professor, mas não tem habilitações suficientes para isso.
Poderá dar Direito ao Secundário, mas precisa de fazer a Profissionalização, isto é, o novo Estágio não remunerado. Além disso, precisará de fazer provas públicas de admissão à carreira, nas quais não poderá ter classificação inferior a catorze valores.
Se quer a minha opinião, deixe-se estar como está, que está bem.
5 comentários:
muito bem apanhado :)
Ele provavelmente não pensou nisso. Mas é pena, sempre gostava de ver quanto tempo ele aguentava como professor do 3º ciclo / secundário e em quantas reuniões em horário pós-laboral estaria presente.
Ehehehe! Até dá para rir.
Bjs
Não sou professora,mas sei os problemas com que os professores se debatem pois tenho vários na família, quanto ao professor Marcelo acabar no secundário acho estranho.De qualquer forma gostei da entrevista, teve momentos interessantes.
Abraço
BC
DEIXO O CURRICULUM GRATUITO DE UM PROFESSOR DO ENSINO SECUNDÁRIO.
A VIDA É DIFÍCIL!
Labor Omnia vincit improbus
Currriculum vitae gratuito de um Professor em Tempos Livres
Com todo o tempo livre,
dei liberdade a um percurso profissional, que escolhi por livre vontade, enquanto professor, a saber, profissional da Educação, um labor intelectual dedicado ao ensino-aprendizagem. Foi assim, que durante 20 anos de trabalho não lectivo vaguei por ai à procura de mim mesmo enquanto profissional, muitas vezes ausente da escola, mas sempre ao serviço (tal como me ensinou João de Deus: “à procura de me tornar cada vez melhor Professor”). Fiz o que me pareceu essencial, para me valorizar enquanto pessoa e enquanto profissional. Por isso registo, com mágoa e algum arrependimento (uma vez que não foi reconhecido) todo o tempo que estive ausente da Escola e/ou em tempo não lectivo a desenvolver as seguintes actividades:
(Curriculum Laboral Gratuito)
- Nos tempos livres, realizei reuniões com Pais e Encarregados de Educação, depois das aulas, em tempos que possibilitassem a presença dos Pais, normalmente depois das minhas aulas e em Horários compatíveis com os Horários laborais dos Pais;
- Nos tempos livres, organizei mil e uma Visitas de Estudo, assumindo a responsabilidade pelos filhos de muitos Encarregados de Educação, mesmo sabendo que corria riscos, mesmo muitas vezes adiantando dinheiro a “fundo perdido” para que muitos visitassem Lisboa pela primeira vez, assistissem como espectadores estreantes a peças de Teatro, à Assembleia da República, a Filmes, a Reuniões/Encontros com outros alunos de outras Escolas e a outros e outros lugares que a minha memória já não consegue alcançar;
- Nos tempos livres, inaugurei em conjunto com outros colegas um Clube de Cinema e Vídeo, que à custa de muitos telefonemas e de muitas viagens aqui e ali para angariar fundos, se concretizou com a conquista de um Equipamento de projecção caríssimo, que ficou ao serviço da Escola e dos alunos. Recordo-me de ter vagueado por ai à procura de apoios, junto das Empresas, das Autarquias, muitas das vezes a ouvir: “não”, “não pode ser”, “não é possível”;
- Nos tempos livres, criei um Clube de Filosofia, iniciei o Projecto de Clube da Rádio e fiz parte do Jornal da Escola;
- Nos tempos livres e durante 10 anos organizei, em conjunto com outros colegas intercâmbios com Escolas e Associações de Jovens de mais de cerca de 8 Países da União Europeia, entre eles, a Grécia, a Inglaterra, a França, a Holanda a Hungria, a Suécia, Alemanha, Espanha e Itália. Tudo isto planeado e concretizado em tempos livres, digo, em tempos não lectivos e à minha custa, digo, à custa do meu tempo e de algum do meu dinheiro;
- Nos tempos livres, criei uma Unidade de Apoio (UNIVA) para consulta e aconselhamento Escolar e Profissional, o que foi feito nos meus tempos de Professor livre, sem obrigatoriedade de permanência na escola, muito à custa do meu dinheiro de viatura própria, sempre que se tratou de formalizar todo o Processo;
- Nos tempos livres, fiz a Formação Contínua desejada, mesmo para além das necessidades estipuladas pelos Créditos obrigatórios. Apostei em mim e na Escola, mesmo que para isso, me visse obrigado a deslocar-me longe, muitas vezes sem almoço nem jantar e mesmo quando a família reclamava gastos pessoais e financeiros incomportáveis. Tudo isto em tempo após as aulas, em deslocações sem ajudas de custo, sem ajudas de Fato e nem sequer tolerância de horário;
- Ainda consegui gastar 3 anos da minha vida num Curso de Mestrado em Ciências da Educação, que julguei fundamental para o meu desenvolvimento profissional;
- Enquanto Orientador de Estágio, durante 10 anos, coordenei com muitos dos meus colegas, muitas e muitas actividades de âmbito Educativo, interdisciplinar e cultural, que tinha por destinatários os alunos, os pais e a comunidade educativa em geral. Recordo-me do Fórum Estudante; da Filosofia para os Pais, Estética e Actividade Artística, Formação em Avaliação, em Informática, Metodologia de Projecto, Filosofia para crianças, etc, etc. Recordo-me de umas “férias lectivas” de Carnaval passadas na Escola, a passar cabo, a arrumar mesas, a decorar a sala, a providenciar o som... tudo isso a preparar uma Actividade para os alunos e para os Pais. Também deu muito prazer participar na Abertura da Escola ao Domingo (em muitos Domingos, ao longo destes anos), para a apresentação de Trabalhos, Actividades e Projectos; tudo isto, para que a Comunidade Educativa pudesse estar presente a partilhar a vivência da Escola;
- Nos tempos livres, trouxe para a Escola um Curso de Filosofia Para/Com Crianças, inspirado em Lipman e fundei um Clube único em todo o País, em que se aplicavam (e aplicam) técnicas que propiciam aprendizagens nas áreas da Lógica, da Argumentação e da Educação Moral ou Cívica dos Jovens, para níveis de 7º, 8º e 9º Anos de escolaridade;
- Nos tempos livres integrei um Grupo de Estudos sobre Ética e Deontologia Profissional da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, do qual ainda faço e continuarei a fazer parte se o tempo e a motivação me permitirem;
- Nos tempos livres fui Formador de Professores, partilhando com outros o que aprendi. Organizei Cursos de Formação, assisti a muitos outros, muitas vezes com espírito de missão e de sacrifício;
- Nos tempos livres integrei um grupo de carolas que elaborou os Projectos Educativos da Escola, à custa da disponibilidade e da motivação de cada um, à noite, aos Sábados e Domingos;
- Nos tempos livres, planifiquei, reformulei, corrigi testes, fiz montagens, preparei e reflecti avaliações, mesmo que isso tivesse que ser feito ao Sábado, ao Domingo ou num Feriado; mesmo que isso provocasse protestos e más disposições da Família.
- Nos tempos livres, mesmo em horas de sair da Escola permaneci mais tempo para um apoio a um aluno com uma dúvida ou problema pessoal. Como todos os meus colegas, preenchi lacunas sociais e de âmbito familiar, sempre que foi necessária uma palavra amiga, um conselho, uma sugestão ou um grito de solidariedade. Foi com outros professores, o Psicólogo, o Sociólogo, o Amigo e até o Pai suplente, quando o efectivo estava ausente ou indiferente;
- Nos tempos livres fui uma voz contra a discriminação, contra o racismo, a indiferença, sempre que acolhi as diferenças que fora da Escola são alvo de separatismos e de incompreensão;
- Nos tempos livres reflecti sobre esta difícil arte de me adaptar ano após ano aos novos alunos, às mudanças legislativas, às mudanças sociais e políticas, às mudanças científicas constantes, às desigualdades que se reflectem no dia a dia dos nossos alunos, às criticas cruzadas dos pais, dos colegas, dos alunos, da sociedade que tudo espera de nós (enfim, um “fogo cruzado”, com razão de ser, mas deveras doloroso), por não conseguir estar em todo o lado, nem dominar todas as áreas. Na verdade não há profissão a quem se peça tanta actualização, tanta capacidade de adaptação e mesmo de tanta coragem para enfrentar tamanha diversidade.
Ainda hoje, a um Sábado à noite, me disponho (nos meus tempos livres) a escrever as minhas mágoas, a pensar o que teria feito por mim e pelos meus, senão tivesse perdido tanto do meu tempo livre, que dediquei à Escola e aos meus alunos. Ainda hoje me admiro como é que ainda consigo gostar desta profissão, mesmo contra a “maré da opinião pública” (alguma opinião pública), que considera a classe docente como funcionários incompetentes, preguiçosos e até desnecessários. É curioso que todos, mesmo os que nunca estiveram à frente de uma Turma de jovens alunos, têm soluções para a crise do Ensino e receitas categóricas para a indisciplina, para o abandono escolar, apara a desmotivação e o crescente desprestígio da Escola para as sociedades modernas. Esquecem que hoje em dia tudo se pede à escola e aos professores, mesmo em assuntos e problemas que dizem respeito a outros intervenientes sociais. É pena que não vejam que a crise não está na Escola, mas fora da Escola, numa sociedade que perdeu referências axiológicas, porque o sucesso pessoal já não é sinónimo de formação, nem de instrução.
Têm sido 20 anos de grande dedicação, de entusiasmo e até mesmo de grande prazer. Mas também foi com muita “luta” e algumas frustrações que fiz este caminho, que não é só meu, pois nele estão muitos colegas, trabalho interdisciplinar e muitas e muitas horas. Mas, como sempre permaneceu a máxima: “ com trabalho se vencem todas as dificuldades”. E por isso dei o máximo, mesmo que seja considerado insuficiente. E por isso fiz da minha casa um Gabinete de Trabalho e do meu automóvel uma Biblioteca Ambulante e uma Viatura de Serviço. Também foi por isso que comprei todo o material didáctico, desde canetas de várias cores, correctores, folhas, cadernos, CD Rom’s, Dvd’s, Cassetes Vídeo, Disquettes, Acetatos, Livros indispensáveis à minha Formação e actualização, uma Caneta UBS e um dia destes um Computador Portátil para poder trabalhar na Escola.
Foi muito trabalho e talvez pouco, se tivermos em conta as necessidades dos nossos alunos. Tudo isto e muito mais com uma assiduidade de 100% em tempos Lectivos e com uma motivação de 200%. Agora, nos meus tempos de reclusão, fico limitado a um espaço exíguo, que não me deixa ver o mundo nem me deixa fazer mais pela Escola nem por mim próprio. Fica por fazer, o que, se não é essencial, é pelo menos, manifestamente importante, a saber, a descoberta, a actualização e a aposta em actividades que tornem a escola num local vivo onde se realizam efectivas aprendizagens. E se o Professor é por excelência um transmissor/emissor de Cultura, essa função passa a ficar lá fora, inacessível, delimitada por um Horário fixado pelas horas e tempos estipulados para a função pública e ao ritmo da Componente Não Lectiva e das actividades/aulas de substituição. E em troca destes anos de dedicação recebi um “prémio”: o congelamento da Carreira, talvez (digo eu, não sei) como incentivo, como quem diz: “vá lá esforça-te mais, pode ser que mereças progredir na Carreira, porque a progressão não é para todos, mas apenas para quem tem mérito”.
P. Vargas
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