Encosto-me à montra e olho o exterior, no violeta do crepúsculo que se esbate, nas feéricas luzes que se acendem e dão à zona a sua (merecida) fama. Passam crianças vestidas de bruxas, de fantasmas, de diabinhos à solta: estou a viver o Halloween em Nova Iorque! Nunca imaginei!
Uma certa modorra apodera-se de mim, no contraste do calor da casa com o frio do vidro. Fico apenas a observar os transeuntes e os letreiros luminosos acrescentados de abóboras e de bruxas.
Saio. Repentinamente, tudo está muito mais frio. Começo até a ver cair uns farrapos que pressagiam neve. Tão cedo? Interrogo-me, pouco habituada a estas latitudes.
Apanho o metro até Central Park, onde fica o hotelzinho onde me hospedo. Ao sair do metro, o espanto: um manto branco caiu sobre a cidade! O parque está praticamente deserto, todos fugiram do frio inesperado e da neve extemporânea. Sento-me num canto ao abrigo da neve, pasmada com o acontecimento. No meu país, tal não seria possível! De repente, tudo me parece mais triste, muito triste. Não há a alegria da neve que sempre vi nos cartões de Natal da minha infância. Algumas pessoas passam por mim a correr, como que fugindo de algum poder maléfico que se tivesse apoderado da cidade.
De repente, ouço vozes: mais gente passa por mim, procurando refúgio de algo que não identifico. “What’s going on?” pergunto. “The White Witch”, parece-me ser a resposta. “Feiticeira branca? Quem é a Feiticeira Branca?” “Nunca leste C. S. Lewis?”, perguntam-me ironicamente.
Faz-se luz no meu espírito! Como é que saltei para as páginas do livro que lia? Ou será apenas um sonho? Já compreendo o frio, a neve, a tristeza: vim cair no triste reino da Feiticeira Branca!
Encolho-me no meu canto e acabo por adormecer de desesperança ou de hipotermia, não sei.
Quando acordo, vejo com surpresa que a neve começou a derreter. É já manhã e há pássaros que saltitam alegres no relvado que surge. Os seus gorjeios enchem-me os ouvidos.
De súbito, um rugido! É isso! O Leão! Aslan também tem que entrar nesta história!
A um grupo de crianças que passam para a escola, pergunto: “Meninos! Que aconteceu? O Leão matou a Feiticeira?”
“Não!”, responde um deles, sorrindo. “Foi a Feiticeira que matou o Leão, mas Aslan voltou! Está vivo! Está vivo!”
Levanto-me e junto-me ao grupo, que canta, ri e salta o tempo todo. Sinto-me criança de novo com eles.
Mas… e Aslan? Onde está o Leão que apenas ouço rugir? Tenho que o ver!
Embrenho-me em Central Park, que ainda não tive oportunidade de conhecer bem. Sigo apenas o som do rugido. É assim que entro numa zona de arbustos mais densos, deixando de ver os contornos dos arranha-céus em volta do parque. Parece-me estar perto, porque o som torna-se mais audível.
Que é isto? Penso de mim para mim, quando os arbustos se tornam mais macios e, a pouco e pouco, se transformam em roupa, em casacos, os meus casacos! Estou dentro do meu próprio roupeiro!
E, de repente, saio no meu quarto, muito longe de Central Park e de Nova Iorque, forçada a regressar à minha rotina do dia-a-dia.
Ná! Não posso nunca contar isto a ninguém. Chamar-me-iam louca.
Estranhamente, num bolso do meu casaco, venho a encontrar uma embalagem vazia de Donuts…