11.4.11

A Crise e o Futuro

Este texto foi escrito no pós II Guerra Mundial pela escritora inglesa Dorothy Sayers no seu ensaio "Why Work". Parece estranhamente um retrato fiel da nossa sociedade, de que talvez tenhamos que nos vir a despedir num futuro próximo...


"Lembram-se – já vai sendo difícil recordar – de como as coisas eram antes da guerra? As meias baratas que comprávamos e deitávamos fora para poupar o trabalho do conserto? Os carros de que nos desfazíamos todos os anos para andarmos na última moda de design do motor e de desenho aerodinâmico? O pão e ossos e pedaços de gordura que enchiam os caixotes do lixo – não só dos ricos, também dos pobres? As garrafas vazias que até o homem do lixo se recusava a levar, porque os fabricantes achavam mais barato fazer novas que lavar as velhas? As montanhas de latas vazias que ninguém achava que valesse a pena aproveitar, enferrujando e cheirando mal nos monturos de lixo? A comida que era queimada ou enterrada, porque não compensava distribuí-la? A terra sufocada e empobrecida com cardos, porque não compensava pagar para cultivá-la? Os lenços de tecido usados para trapos de pintura e pegas de cafeteira? As luzes eléctricas deixadas acesas, porque dava muito trabalho apagá-las? As ervilhas frescas que deixávamos de debulhar e trocávamos por qualquer coisa em lata? O papel que obstruía as prateleiras, jazia nos parques pelo joelho e enchia os assentos dos comboios? Os ganchos de cabelo espalhados e louça em cacos, os pequenos enfeites de aço, madeira, borracha, vidro e lata que comprámos, para preencher meia hora livre na loja da moda e que logo esquecemos? Os anúncios implorando, exortando, lisonjeando, ameaçando e obrigando a saciar-nos com coisas que não queríamos, em nome da mania das grandezas, da ociosidade e do “sex appeal”? E a feroz escalada internacional para encontrar em nações indefesas e atrasadas um mercado onde podíamos despejar todo o lixo supérfluo que as máquinas inexoráveis produziam hora a hora, para criar dinheiro e emprego?"

4 comentários:

Maria Olívia disse...

Este texto não pode ser mais actual. Infelizmente, sobretudo para os mais novos, vai ser uma realidade.
Mais uma vez, muito obrigada pela partilha

Anónimo disse...

Tenho muito receio e estou preocupada sobretudo com a geração mais nova. Assusta-me pensar nos nossos filhos e netos se ou quando tiverem de ser privados de coisas às quais estão habituados. Gostaria que isto não viesse a acontecer. Mas vejo isto tâo mal...

Raquel Úria disse...

Impressionante. Acho que vou partilhar. Posso?

Mas se o anunciado futuro difícil servir para nos livrarmos de hábitos como estes, menos mal. Espero que sim. Aprende-se muito mais com as privações do que com a abundância. Mas custa, custa muito, claro.

Avozinha disse...

Claro, Raquel! É um excerto de uma texto mais longo que tenho andado a traduzir.