10.12.05

História IV

Custava-lhe sempre fazer aquele percurso à noite: sair do metro e caminhar uns bons 15 minutos até casa não é muito próprio para uma rapariga. Sobretudo, porque a vizinhança da estação não era muito desejável: uma grande zona de barracas tornava a coisa mesmo assustadora. Mas, enfim, tinha que ser.
Aquela noite não foi muito diferente do habitual. Saíu da estação e caminhou apressada, apertando a mala contra o corpo. Mas foi nessa noite que aconteceu: de súbito, um violento puxão na mala que não se solta e ela é arrastada pela velocidade da mota até a alça da mala se partir.
Fica sentada no chão molhado da chuva nocturna, aturdida e magoada. Ao tentar pôr-se de pé, nota que não consegue suster-se numa perna mais ferida. E agora?
Vem alguém. Um grupinho de jovens aproxima-se, de violas em riste e Bíblias debaixo do braço. Surpreendem-se com a visão de alguém no chão e afastam-se rapidamente. "Devem ter pensado que eu era uma drogada", pensa ela.
Duas freiras passam também a caminho do metro. Ao avistá-la, benzem-se e desviam-se.
Desesperada por ajuda, é então que ela avista o seu maior receio naquela zona: um cigano estaciona a carrinha a cair de podre do outro lado da rua.
Vê-a e aproxima-se. Ela encolhe-se mais. "Precisa de ajuda?", pergunta ele no seu português cantado.
E é ele que finalmente a mete na sua carrinha e a leva ao hospital. É ele que espera com ela as várias horas que teve que passar naquele lugar. Foi ele que finalmente a levou a casa na manhã seguinte.

3 comentários:

Jorge Oliveira disse...

(é melhor eu não fazer comentários senão o meu protestantismo estraga o brilhantismo da metáfora...)

Vilma disse...

:))

39 disse...

Não deixa de estar patente alguma discriminação no texto.