9.2.10

"Nasceu"


"A força da sua mão é comovente. Agarra-se ao meu indicador. O desenho fino dos seus dedos e da sua mão inteira é apenas suficiente para cobrir metade do meu indicador. Talvez como veludo, a palma da sua mão é morna e suave.
Lentamente, acorda. Começa a mexer os braços. Leva as mãos à cara. Passa os punhos redondos, magros, pequenos pelo nariz, pelos lábios, pelas faces, pelos olhos fechados. Faz a expressão de uma pessoa grande que não tem vontade de acordar, mas que tem de acordar e que culpa o tempo, os outros ou o destino por ter de acordar.
Levanto-o da cama de ferro onde a enfermeira o trouxe. Sustenho o seu corpo sobre as minhas duas mãos abertas. As suas costas pousadas sobre as palmas das minhas mãos. E os meus dedos seguram-lhe a nuca, o peso da cabeça. E sinto os seus cabelos, talvez como veludo, a fazerem-me festas nos dedos. E existe um instante especial: ele abre os olhos, passa esse instante e volta a fechá-los.
Depois, em tentativas, abre e fecha os olhos, passam instantes, passam outros instantes, e abre e fecha os olhos até deixá-los apenas abertos. Digo-lhe palavras e ele olha muito sério para a minha voz.
Olhamo-nos. Uso um toque delicado para sentir a ponta dos seus lábios, os seus futuros lábios, os seus futuros beijos pousam na ponta do meu dedo. Aproximo-o do meu peito.
Nasceu há pouco mais de duas semanas. Acreditamos que é lindo. Nasceu com 3 quilos e 550 gramas. Correu tudo bem Estamos tão felizes. Olhamos para ele, emocionamo-nos e sentimos vontade de agradecer a alguém."

José Luís Peixoto, in JL

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