14.10.05

História II

A minha vizinha D. Laura tem um café na rua há muitos anos, onde toda a vizinhança se reúne. Tem também duas filhas, já quase nos quarentas, a Bela e a São, que a rua viu crescer no café. Nunca conheci o pai das raparigas, penso que morreu cedo. A mãe cuidou sempre delas sozinha e, como se costuma dizer, deu-lhes igual educação.
Quando a escola se tornou um fardo para elas, a mãe puxou-as para a ajudar no café. Foi o que a Bela fez. Mas não a São.
A São, filha mais nova, talvez mais mimada, sofreu a forte investida das drogas aqui na rua, no início da década de 80, que dizimou toda uma geração. Desses moços e moças que se escondiam nas traseiras da escola para fumar os charritos, muito poucos estão estabelecidos na vida, já eles mesmos pais de adolescentes.A maioria perdeu-se.
Foi esse o destino da São. Às drogas leves, seguiram-se as pesadas, dois filhos, um de cada pai, entregues à mãe, uma pena de prisão e desapareceu. Dizem que foi fazer uma desintoxicação para Inglaterra, que roubou todo o dinheirito ganho pela mãe e pela irmã e não mais voltou. Anos a fio.
Qual não é o espanto geral da vizinhança quando a vemos no café da mãe, mais velha, muito mais velha que a sua verdadeira idade, mas sorridente, junto da sua radiante mãe.
Dividem-se as opiniões: a mãe devia desconfiar mais; em breve a São fará o mesmo e lá fica a pobre, uma mão atrás, outra à frente. Outros admiram o gesto da mãe, que mais uma vez perdoou.
Quem está de má cara é a filha mais velha, a Bela. Não esqueçamos que já uma vez viu voar as suas poupanças e teve de aturar os sobrinhos que a irmã deixou. Já não acredita em arrependimentos e estranha o sorriso de orelha a orelha que a mãe exibe agora.
Enfim: histórias de todos os dias.

10 comentários:

amiguita disse...

Eu como filha e irmã, acho que também não iria gostar nada desses sorrisos, mas nunca se sabe, perdoar é mesmo um dom.

Beijinhos Tânia

Unknown disse...

dessas é que naaão faltam por ai...histórias claro.

Nuno disse...

A São é a filha fujona, a outra a invejosa, Londres representa os porcos e bolotas e assim temos a parábola do filho pródigo!

Anónimo disse...

O pai que morreu é o bezerro que mataram para a festança do regresso do filho pródigo

Anónimo disse...

Já pensaste em escrever um livro do género "Histórias actuais contadas por Jesus"?

Jorge Oliveira disse...

É urgente falarmos do amor do Pai para que os(as) pródigos(as) voltem para Casa, enquanto há tempo.

Avozinha disse...

Vocês, crentes, estragam-me as histórias todas!

Vilma disse...

eheheh...:))
Uma nova versão! Gostei sim!

Zica Cabral disse...

eu passei por essa experiencia com um dos meus filhos agora completamente limpo mas NUNCA curado porque a toxicodependência é uma doença que não tem cura. Mas pelo menos há mais de 7 anos que ele está limpo.Foi dificil e muito muito penoso mas quando ele me provou que estava no caminho certo da reabilitação foi recebido de braços aberos. A parábola do filho prodigo é uma realidade e quando nós amamos realmente os nossos filhos perdoamos tudo o que eles fizeram . Eu pelo menos .....................
Mas ´so quando ele me provou que estava bem e disposto a assim ficar.
Beijinhos Zica

Anónimo disse...

gostei muito da história, como crente que sou, não nego a raça, e lembrei do pródigo... mas amei o seu comentário-resposta... e ri-me, calei-me, e agora estou a pensar!!!