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À medida que os ponteiros se aproximam inexoravelmente de um novo ano, agradeço a Deus tudo o que me deu viver em 2007 e desejo a todos um óptimo 2008!
Lisboa,25 de Novembro
Vídeo enviado por hertzonline
Eu era solteira ainda, vivia com os meus pais e irmãos numa velha vivenda na Amadora. Era sábado. Tinha chovido durante o dia, mas ao anoitecer a coisa agravou-se, porque a chuva caía violentamente sem parar há várias horas. Começámos a ver um autocarro com dificuldade em circular e sem poder largar os passageiros. Um dos meus irmãos foi à garagem-bomba de gasolina vizinha e eles estavam já atentar tapar as entradas de água com cartões. A garagem ficaria completamente inundada.
Em nossa casa, a cave começou a meter água. "Tragam baldes e panos", gritou o meu pai, tentando impedir que a água entrasse vinda do quintal. Em breve compreendemos a inutilidade dos esforços: a cave chegou a ter um metro de altura de água, os móveis a boiar. Desligámos a electricidade e subimos todos aos andares superiores, rés do chão e primeiro andar. Ficámos a assistir à inundação na nossa rua, que mais parecia um rio.
Só no dia seguinte tivemos a primeira antevisão da tragédia, ao irmos para a igreja em Lisboa, passando por muitas casas totalmente inundadas na estrada de Benfica. Ouvimos falar de um morto aqui e outro ali. Muito mais tarde tivemos consciência da desgraça que se abateu sobre a grande Lisboa naquele dia.
Ainda hoje, quando passo pelas zonas mais antigas da Estrada de Benfica, recordo a altura da lama e os parcos móveis a secar na rua.
Encosto-me à montra e olho o exterior, no violeta do crepúsculo que se esbate, nas feéricas luzes que se acendem e dão à zona a sua (merecida) fama. Passam crianças vestidas de bruxas, de fantasmas, de diabinhos à solta: estou a viver o Halloween em Nova Iorque! Nunca imaginei!
Uma certa modorra apodera-se de mim, no contraste do calor da casa com o frio do vidro. Fico apenas a observar os transeuntes e os letreiros luminosos acrescentados de abóboras e de bruxas.
Saio. Repentinamente, tudo está muito mais frio. Começo até a ver cair uns farrapos que pressagiam neve. Tão cedo? Interrogo-me, pouco habituada a estas latitudes.
Apanho o metro até Central Park, onde fica o hotelzinho onde me hospedo. Ao sair do metro, o espanto: um manto branco caiu sobre a cidade! O parque está praticamente deserto, todos fugiram do frio inesperado e da neve extemporânea. Sento-me num canto ao abrigo da neve, pasmada com o acontecimento. No meu país, tal não seria possível! De repente, tudo me parece mais triste, muito triste. Não há a alegria da neve que sempre vi nos cartões de Natal da minha infância. Algumas pessoas passam por mim a correr, como que fugindo de algum poder maléfico que se tivesse apoderado da cidade.
De repente, ouço vozes: mais gente passa por mim, procurando refúgio de algo que não identifico. “What’s going on?” pergunto. “The White Witch”, parece-me ser a resposta. “Feiticeira branca? Quem é a Feiticeira Branca?” “Nunca leste C. S. Lewis?”, perguntam-me ironicamente.
Faz-se luz no meu espírito! Como é que saltei para as páginas do livro que lia? Ou será apenas um sonho? Já compreendo o frio, a neve, a tristeza: vim cair no triste reino da Feiticeira Branca!
Encolho-me no meu canto e acabo por adormecer de desesperança ou de hipotermia, não sei.
Quando acordo, vejo com surpresa que a neve começou a derreter. É já manhã e há pássaros que saltitam alegres no relvado que surge. Os seus gorjeios enchem-me os ouvidos.
De súbito, um rugido! É isso! O Leão! Aslan também tem que entrar nesta história!
A um grupo de crianças que passam para a escola, pergunto: “Meninos! Que aconteceu? O Leão matou a Feiticeira?”
“Não!”, responde um deles, sorrindo. “Foi a Feiticeira que matou o Leão, mas Aslan voltou! Está vivo! Está vivo!”
Levanto-me e junto-me ao grupo, que canta, ri e salta o tempo todo. Sinto-me criança de novo com eles.
Mas… e Aslan? Onde está o Leão que apenas ouço rugir? Tenho que o ver!
Embrenho-me em Central Park, que ainda não tive oportunidade de conhecer bem. Sigo apenas o som do rugido. É assim que entro numa zona de arbustos mais densos, deixando de ver os contornos dos arranha-céus em volta do parque. Parece-me estar perto, porque o som torna-se mais audível.
Que é isto? Penso de mim para mim, quando os arbustos se tornam mais macios e, a pouco e pouco, se transformam em roupa, em casacos, os meus casacos! Estou dentro do meu próprio roupeiro!
E, de repente, saio no meu quarto, muito longe de Central Park e de Nova Iorque, forçada a regressar à minha rotina do dia-a-dia.
Ná! Não posso nunca contar isto a ninguém. Chamar-me-iam louca.
Estranhamente, num bolso do meu casaco, venho a encontrar uma embalagem vazia de Donuts…
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