14.11.05

O que é um prof?

Transcrevo, com a devida vénia, da minha colega href="http://somaisumaprof.blogspot.com/">.

O professor compra uma agenda nova, um caderno bonito, uma caneta verde. Prepara-se com expectativa (com esperança?) para o que o novo ano lhe trará.
O Professor é um aluno que não quis deixar a escola.
O professor zanga-se, "congelado", longe da família, horário mau, vida difícil. Faz promessas e juras: não gasta nem mais um minuto no fim de semana, nada de projectos loucos, nem mais um tostão do bolso, nem mais um tinteiro, uma folha de papel, gota de tinta, gota de sangue, gota de suor. Espreitem uns dias depois. O professor está, outra vez, a fazer a festa com os alunos. A festa é, quase sempre, muito maior.
O Professor tem forma de coração com memória fraca.
O professor não tem endereço electrónico. Não escreve textos no computador. Não quer. Diz que não, que não gosta, que não percebe. O professor insiste que prefere lápis e papel. Nunca, nunca conseguirá. Diz que não vale a pena. E depois...O professor pede ajuda ao filho. O professor faz formação. Aceita a mão de outro professor.O professor dá mais um passo.
O Professor é um caderno já muito cheio, onde encontramos sempre muitas folhas brancas.
O professor fala de saúde, futuro, matemática, inglês, poesia, estudo, música, informática, livros. Sabe fazer projectos, jornais, cartazes, desenhos, receitas, teatro. Cura feridas, ampara tristezas, acalma medos. Escuta segredos, dá conselhos, conta anedotas, prepara passeios, monta exposições. Dirige a escola, dirige um grupo, escreve regulamentos, prepara oficinas, constrói materiais.
O Professor não sabe o que quer ser quando crescer.
O professor faz muitas perguntas, por dentro e por fora dele. O professor gosta que lhe façam perguntas. O professor ensina que as perguntas são a melhor maneira de aprender. O professor acha mais difícil fazer uma boa pergunta do que dar uma má resposta. O professor ensina a perguntar.O professor não sabe todas as respostas.
O Professor é um ponto de interrogação com muitas respostas possíveis.
O professor tem medo. De não conseguir, de não ser capaz, de errar, de acertar, de se perder, de perder alguém. Tem medo de ter medo. Medo de não ter medo. Medo de avançar depressa, de avançar devagar. Medo de ficar parado.O professor tem medo que não aconteça nada.
O Professor usa o medo como meio de transporte.
O professor chora, ri.
O professor sofre, mastiga desgostos, partilha-os se forem maiores do que ele próprio.
Tem sonhos, tem desejos. Às vezes pinta, às vezes canta, outras escreve. Planta flores, cria borboletas, namora, ama, tem filhos, não tem filhos, representa, dança, vai ao cinema.
O professor é feliz, é menos feliz, é feliz outra vez.
O professor fica parado a pensar no que sente.
O professor é de todas as cores por dentro e por fora.
Mais do que o arco-íris. Mais do que a maior caixa de lápis de cor do mundo.
Mais do que todas as cores que se podem imaginar.
O Professor do avesso é tão colorido como do direito.
O professor recomeça tantas tantas vezes, que desiste do prefixo "re".
O professor caminha numa estrada que dá voltas e voltas e voltas...
Não se lembra de ontem. Não sabe o amanhã. Oferece o tempo que tem.
O Professor não tem princípio nem fim.
O professor tem uma magia só dele.
Um feitiço que lhe foi lançado, não se sabe quando nem por que fada.
Ele é Bela ou Monstro, Princesa Adormecida, Gata Borralheira, Capuchinho Vermelho, Branca de Neve. As madrastas, os lobos, as bruxas, as trevas vão andar sempre por aí.
Ele luta, história a história, contra todos eles.
O Professor tem de ser o final feliz de todas as histórias, para que o mundo se salve.
Por entre o som das palavras, o professor é cheio de silêncios que poucos conhecem.
Silêncios que falam, muitas vezes, uma língua que quase ninguém se lembra de ter ouvido.


O Professor é um segredo que se deve contar em voz alta, para toda a gente ouvir.


* Texto publicado no Correio da Educação, CRIAP ASA, nº232, 3 de Outubro 2005. Autora: Teresa Marques, Escola Básica 2,3 de Azeitão.

7 comentários:

Sara CS disse...

Excelente definição!
Eu também sou isso tudo? Uau!

Raquel Úria disse...

Se substituirmos "o professor" por "quase toda a gente", o texto ganha beleza e fica muito mais genuíno. A descrição não serve a todos os professores e cabe bem a muita gente que não o é.

Anónimo disse...

Uma professora escreve um texto tentando definir o que sente. Fala da profissão que tem e conhece, porque é a dela.
Um economista, um contabilista, um médico, um biólogo, um varredor do lixo, uma doméstica, etc., se escrevessem um texto acerca da sua profissão salientariam coisas diferentes, com alguns pontos em comum, certamente. Ninguém é melhor que ninguém, nenhum profissional pode dizer que a sua profissão é a melhor, nem a pior.
Elogiar a profissão docente não é criticar as restantes.

A Melhor Parte disse...

O pior é quando se sente que se é tudo isso e não tem "espaço" para o ser.
Por isso é que tentamos a nossa sorte na roleta russa dos concursos todos os anos...
Texto lindo!

Avozinha disse...

Snif, Melhor Parte, não me importava de te deixar o meu lugar, mas não me deixam...

AnaCristina disse...

Obrigada pela referência...

Ser Professor é óptimo... Pena é que o resto da população não nos ache piada.

Nunca ninguém disse que somos melhores, mas ninguém seria advogado ou economista se não tivesse passado pelas maõs de vários professores...

Um abraço

Anónimo disse...

Gostei! Excelentemente bem escrito!